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Tendo em vista essas cenas de um Duque de Caxias pacificador [...] cabe a nós repensarmos o seu significado representativo sobre ser homenageado ainda nos dias de hoje em praça pública.
Por Larissa Silva Santos*, colaboração para Frentes Versos
Concebido sobre um pedestal de granito, a escultura equestre de Duque de Caxias é feita de bronze patinado, medindo 48 metros ao total. Em meio à Praça Princesa Isabel, no bairro Campos Elíseos da cidade de São Paulo, o monumento busca homenagear o patrono do exército brasileiro Luís Alves de Lima e Silva (1803-1880). Considerado por militares como um grande herói nacional, foi o único brasileiro a receber o título de Duque no reinado de D. Pedro II. Dada a sua importância, foi decidido honrá-lo por meio de um monumento e, em 1941, houve um concurso de maquetes, em que venceu o artista Victor Brecheret (1894-1955).
O escultor ítalo-brasileiro teve uma educação acadêmica iniciada no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e tornou-se um expoente da Arte Moderna no Brasil. Muitas de suas esculturas foram implantadas em locais públicos, sobretudo na cidade de São Paulo. O Monumento às Bandeiras, por exemplo, na entrada do Parque do Ibirapuera (zona sul de São Paulo), é uma de suas obras de arte mais conhecidas.
Posto essas informações, é de se pensar o que Luís Alves de Lima fez para ganhar tamanho respeito na história brasileira. Ou, ainda, se esses motivos se alinham com a nossa atualidade.
No fortalecimento do Estado monárquico, Caxias participou de quase todos os conflitos armados. No plano interno, participou da expulsão das tropas do general Madeira, na Bahia (1823); dominou as rebeliões regenciais da Abrilada (1832) e da Balaiada (1840-41), em que foi reconhecido pela sua pacificação. No plano externo, Caxias participou da Guerra da Cisplatina (1825-28); comandou as forças brasileiras, aliadas às da oposição argentina, federalista, contra o caudilho uruguaio Manuel Oribe (1851) e na deposição de Juan Manuel de Rosas, ditador da Confederação Argentina. No entanto, o apogeu de sua carreira militar foi o comando das forças imperiais na Guerra do Paraguai (1865-70), no decisivo período de 1866 a 1868.
Sabendo disso, ao analisarmos os seus feitos partindo de um revisionismo histórico, talvez não seja tão fácil assim reconhecê-lo como um herói. Com a criação do Memorial da Balaiada (Caxias, Maranhão), inaugurado em 1997 por historiadores e arqueólogos, por exemplo, é possível identificar uma reconstrução da historiografia oficial, em que Caxias perde a sua fama de pacificador.
Nessa Revolta da Balaiada (1838-40), Duque de Caxias foi enviado para acabar com o conflito. Essa missão foi devidamente cumprida com sucesso ao ser finalizada com mais de 10 mil mortos. A maioria desses mortos eram escravos, camponeses e pobres que se uniram contra a exploração dos ricos da época. Os revoltosos eram liderados por Cosme Bento dos Santos, o Negro Cosme, o maior ativista dos escravos daquele período. Segundo conta a historiadora Maria Januária Vilela, Luís Alves de Lima só considerou a província realmente “pacificada” após a prisão de Cosme e, por isso, a sua morte foi considerada um troféu para as chamadas forças legalistas.
Desse mesmo modo pode ser interpretada a revolta Farroupilha, famosa Guerra dos Farrapos. Com o império contra os proprietários das terras escravagistas (os farrapos) numa luta que durou uma década, foi necessário transformar negros em soldados para guerrear. O conflito entre essas duas repúblicas era danoso e, ao decidirem resolver esse problema de forma diplomática, Caxias foi enviado para as negociações. Foi quando um grande impasse surgiu: o que fazer com os lanceiros negros que lutaram por uma década ao lado dos farrapos?
De acordo com a historiadora Maria Padoin, em 1844, Caxias se encontrou com o general farroupilha David Canabarro e chegaram a uma solução para o conflito. Canabarro ordenou que os Lanceiros negros montassem acampamento, desarmados, no local conhecido como Arroio Porongos, atualmente chamado de Pinheiro Machado e, na madrugada do dia 14 de novembro daquele ano, os lanceiros negros foram atacados pelo exército imperial, dando início ao que ficou conhecido como o massacre de Porongos, palco da morte de cerca de até 1.700 lanceiros negros.
No Monumento a Duque de Caxias, além da escultura de bronze do soldado montado em seu cavalo, Brecheret elaborou na base do monumento baixos-relevos que apresentam cenas da trajetória do personagem do exército. Essas cenas são representadas unicamente em cada uma das faces do pedestal. São essas: “Pacificação, Caxias falando ao povo de Bagé”, “Reconhecimento de Humaitá”, “Batalha de Itororó” e “Enterro de Caxias”.
Na cena de pacificação, em que Caxias fala com o povo de Bagé, é representado o Duque oferecendo paz e trabalho para o povo após o fim do conflito dos gaúchos com o império. Em Reconhecimento de Humaitá, a cena é composta por Caxias na posição de líder de frente para seus três generais. Já em Batalha de Itororó, a cena é mais dramática por se tratar de Caxias em um momento de guerra. E em Enterro de Caxias, as esculturas-relevo representam seis militares carregando o caixão do militar sob a bandeira do Brasil.
Tendo em vista essas cenas de um Duque de Caxias pacificador e, com base nas pesquisas apontadas de historiadores que buscam mostrar um outro lado do Duque, cabe a nós repensarmos o seu significado representativo sobre ser homenageado ainda nos dias de hoje em praça pública.
Para refletirmos sobre isso, pensemos na definição de monumento. De acordo com o historiador Alois Riegl, monumento é: “uma obra criada pela mão do homem com o intuito preciso de conservar a lembrança de uma ação ou destino. Nesse sentido, o monumento relaciona-se com a manutenção da memória coletiva de um povo, sociedade ou grupo.” Com isso, podemos pensar se é mesmo aceitável concretizar a memória de alguém cuja memória já não seja mais a de um grande herói nacional.
Diante disso, é importante considerar a remoção dessa obra, uma vez que ela foi construída com o único objetivo de homenagear uma figura heroica do exército, mas que hoje possui uma memória bastante controversa. Diferentemente do Monumento às Bandeiras, por exemplo, ainda que sua memória também possa ser questionada, a obra não deve ser entendida como uma simples representação épica dos bandeirantes. As obras são diferentes. Enquanto o memorial a Duque de Caxias é épico e acadêmico, o monumento às Bandeiras traduz muito da visão dos modernistas sobre a história de São Paulo, como aponta o historiador Antônio Celso Ferreira, em seu livro “A Epopéia Bandeirante: Instituições, Letrados e Invenção Histórica (1870-1940)”.
Como se sabe, o modernismo procurou incorporar, tanto do ponto de vista formal quanto de conteúdo, as questões sociais e culturais de uma sociedade complexa e desigual, que não se resumia ao mundo da oligarquia agrária e seu passado idealizado na figura do bandeirante explorador e conquistador do território. Neste caso do Monumento às Bandeiras, a ressignificação da obra ou intervenções como já houve nela, talvez sejam mais eficientes do que apagar uma escultura de destaque da história da arte brasileira que ainda cumpre um papel de problematizar a representação de bandeirante, do negro e do índio que ali figuram.
Contudo, o ponto é que o Brasil de hoje ainda não acertou as contas com o seu passado colonial ou militar, o que parece imprescindível para se construir um futuro mais justo. Como esse acerto de contas é ainda muito insuficiente, ele não consegue ser memorizado como deveria. E ter o Monumento A Duque de Caxias exposto em forma de homenagem, em uma praça, é um grande exemplo disso. Por isso, localizá-lo em uma área militar, como o Campo de Marte, enquanto essas questões não são resolvidas, talvez fosse mais admissível.
*É aluna do curso Arte, História, Crítica e Curadoria da PUC-SP.
(Os textos de colaboração não expressam necessariamente a opinião da Frentes Versos)
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