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Foto do escritorBruno Pernambuco

A Flor do Encontro

\\ LIVROS

Tudo aquilo que se passa nesse Encontro Marcado é narrado com a precisão sóbria e emotiva do olhar do cronista.

Por Bruno Pernambuco


O escritor Fernando Sabino (foto: Acervo EM)

O encontro malogrado

entre a vida e Marciano

(destrói o vento a haste

sem que à flor cause dano).

Deus murmura de lado

entre divino e humano:

- Comigo é que o marcaste

(Carlos Drummond de Andrade)


É certamente consigo que o encontro foi agendado. Os nós do destino abrem-se, e seus desencontros não vão dar só na vida individual, única, mas também, simultaneamente, na história de uma coleção de ideias e de sentimentos, na encruzilhada de uma geração, que por vezes se resume na ansiedade do oposto daquilo que se quer dizer, nas palavras que ficaram esquecidas dentro da boca, no horizonte que ficou esquecido dentro dos olhos, na lembrança áspera e contraditória do amigo…


Tudo aquilo que se passa nesse Encontro Marcado é narrado com a precisão sóbria e emotiva do olhar do cronista. A ternura das luzes de rua que iluminam o livro, como diria Clarice, constroem novas invenções literárias. Nesse estratagema, realmente tão sutil, a realidade tão presente, tão igual ao leitor, dos personagens leva a elipses temporais, a idas e retornos, movimentos que vão, voltam, e mudam de direção, a imagens que evocam profundamente, em toda a sua aspereza e ironia, o passado, sem fugir do encontro infindável do presente - do sono que torna-se ponte, da procura que necessita da queda, e da sua tão implanejada transformação em passo de dança, para tornar-se encontro. As definições também confundem-se na obra. “O escritor falando sobre aquele que não conseguiu se realizar como escritor”, “O romance de formação daquele que se acha bom demais para restar qualquer coisa que falte formar”, “O acerto em cheio no espírito de uma época”: essas palavras ao vento somem (ou, não seria correto dizer “somem”, mais permanecem como aquele fundo invisível, como o sol dormente que sujeito ao movimento das nuvens ora mais se mostra ora mais se oculta) na realidade e na simplicidade da linguagem, que na intuição precisa da crônica, em sua ironia, sua rapidez, sua tão única plasticidade para descrever os fatos, inverte as grandes análises, inverte a História e a traz a simplicidade específica ao presente.

Falo muito pouco a respeito desse livro, tão tenro, sutil, tão seminal. Em parte porque falar com o coração é difícil, na multiplicidade de imagens que ele faz nascer de cada sentimento, e exige humildade, de esforçar-se para estar junto da voz baixa em meio à gritaria, de prestar mais atenção aos detalhes e as minúcias que aos exageros catárticos, de entender que aquele bem pouco que resulta do esforço sincero vale mais que a grandiloquência presumida. Em parte, também, por ser desnecessário falar quando nada pode superar o relato de Hélio Pellegrino, a prefaciar a obra, numa das precisões mais tocantes da literatura brasileira:


“O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Nesse momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome.” 

***

TÍTULO: O Encontro Marcado

AUTOR: Fernando Sabino

EDITORA: Record

ANO DE EDIÇÃO: 2006

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