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O poeta Manoel de Barros é uma pedra preciosa do sul mato-grossense
Por André Vieira
Imagem/divulgação
De todos os Mários, Rubens, Guilhermes e Tarsilas que fizeram parte da geração de modernistas brasileiros, pautando a desconstrução dos velhos cânones estrangeiros historicamente impregnados na cultura nacional para assim compor uma linguagem, imagem e, sobretudo, identidade puramente tupiniquim, o mais ardiloso e espinhentos deles – embora nem ele próprio se considerou como “membro do clube” – é Manoel Wesceslau Leite de Barros, ou como ficou poeticamente conhecido Manoel de Barros.
A princípio, escrever sobre a vida e a obra de um cuiabano nascido em 1916, com visitinhas rápidas a São Paulo, Rio de Janeiro, New York e longa passagem na capital sul-mato-grossense, Campo Grande, não seria uma tarefa difícil a um repórter meramente experimente. Contudo, não estamos falando da vida de qualquer cuiabano que se formou em Direito – e como muitos não exerceu a profissão – na Cidade Maravilhosa e escreveu meio punhado de livros sobre árvores e aves pantaneiras, estamos falando do Homem que apenas deu voz a pedras e conseguiu, por meio de seu português simplesmente complexo, decodificar, para nós, mortais, o som anônimo do desconhecido, ou ainda afirmou categoricamente que é possível ver “a tarde correndo atrás do cachorro”.
Assim, impelido pela boa vontade de jornalista de fazer um texto “menos-meia-boca-possível”, mesmo frente à impossibilidade de retratar da melhor e mais justa maneira que o “visionário do pantanal” merece.
Íntimo, recluso, lacônico, estas podem ser a primeiras impressões para leitores ao se depararem com a linguagem cifrada de Barros, subvertendo a ordem mais canônica da língua – como todo bom poeta –, e preenchendo a lógica espremida e retorcida com neologismos e sinestesias particulares e suntuosas, ao ponto que a crítica especializada, por vezes, comparou-o a Guimarães Rosa – neste quesito discordo dos críticos, por considerar o “olhar” que Barros propõe às pequinesas mais infames e às abstrações menos palpáveis mais profundo do que o arquitetado por Guimarães.
Mas que o leitor não se assuste!
A linguagem que Barros nos presenteia está estranhamente ligada às conversas em padarias, ao bate-boca de esquinas e pontos de ônibus e, principalmente, às reflexões consigo mesmo: aos pensamentos transitórios que vêm, vão e se perdem, num único instante, no profundo fundo da mente, sem termos a chance de descrevê-los com nossas próprias palavras. Barros é assim, um revolucionário. Embora, na verdade, mais se trate de um democrático — mesmo tendo sido hippie e comunista durante a vida… —, pelo menos acho que é assim que deve se caracterizar um poeta que se recomenda para jovens de 9 a 99 anos, pois segundo o próprio homem, numa deliciosa entrevista concebida à revista Palavra, “só renovando a linguagem é que podemos renovar o mundo”. Para aqueles que ainda não pegaram “gosto” pelo poeta do pantanal, sugiro que vejam “Caramujo-Flor”, de Joel Pizzini “Wenceslau e A árvore do gramofone”, de Adalberto Müller e “Só Dez por cento é mentira”, de Pedro Cezar que traduzem, cada um à sua maneira, a poesia imagética e a trajetória do viagem Manoel de Barros em seu percurso infinito por entre o sonho e a racionalidade. Embora, agora numa entrevista cedida ao Estado de S.Paulo, admita que o único jeito de permanecer viajando seja “amarar o tempo ao poste. Eis a ciência da poesia: amarar o tempo no poste.
Finalmente, depois de tê-lo alçado à câmara mais alta do Panteão, por seus feitos monumentais e suas práticas titânicas — e blá blá blá blá — é preciso dizer que Manoel foi humano. Uma alma simples. Um pai amoroso, um terno esposo, um homem revestido por bondades avolumadas. E gentil. Mas tão gentil, que Carlos Drummond de Andrade, o chato das Gerais, recusou o título de “maior escritor brasileiro vivo” apontado pela crítica e o reivindicou ao cuiabano, que pouco ligava a títulos e condecorações, mas aceitou, cordialmente, o apontamento do escritor mineiro. Talvez o único visionário que não goste de ser adornado, o humilde.
Recomendações de Leituras:
Face imóvel (1942)
Compêndido para o uso dos pássaros (1960)
Gramática expositiva do chão (1966)
O livro das ignorãças (1993)
Livro sobre o nada (1996)
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