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Assim uma edição pouco usual de um evento, afinal, humano - mesmo que virtual - se mostra cheia de novos começos, de novas ideias e intervenções.
Por Bruno Pernambuco
[As edições de 2020 da Balada Literária, tradicional evento que ocupa espaços sociais e culturais de São Paulo com shows, debates, e acontecimentos que misturam a confraternização ao fazer literário, acontecem de forma virtual. Entre os dias 3 e 7 de Setembro, acontece, no site oficial da Balada, a programação da edição de São Paulo (simultaneamente à de Salvador), que homenageia a poeta Geni Guimarães. Confira aqui nossa conversa com Geni.]
No grande esquema dos acontecimentos que tiveram de ser alterados devido à pandemia do COVID-19, a Balada Literária de São Paulo certamente não passaria como mais que um detalhe. Há anos o tradicional evento vem mobilizando periodicamente a vida cultural de São Paulo, e, de sua forma única, ampliando a experiência dos debates, discussões e conceituações acadêmicas a respeito da literatura que vai de laureada a independente. A própria natureza episódica do evento, contudo, e sua distância quando das primeiras medidas contra a pandemia tornaria muito fácil perdê-lo de vista em meio a um caos social e político que com a situação se desenrolou no país. Marcelino Freire, idealizador do evento e seu organizador desde sua incepção, busca, de qualquer forma, fazer o máximo possível desse seu pequeno quinhão, e transformá-lo conforme o necessário para “Essa Balada Literária é a mais difícil que estamos fazendo. Por isso está exigindo da gente forças outras. Estamos em meio a uma pandemia e a uma peste política. As nossas energias, minando. A Balada Literária está nos ajudando a reagir. Não estamos fazendo um evento só pra constar.”
Esse engajamento, de não se render às dificuldades que inviabilizam o encontro físico tradicional, é uma marca dessa nova edição do evento. Esse novo espaço é ocupado de forma positiva, com novas propostas, usando dessa forma virtual para interlocucionar de novos modos debates, reflexões e leituras. “A luta fica mais aguerrida, revolucionária ao extremo. As edições que já ocorreram (em Teresina e em Salvador) foram totalmente virtuais, mas contavam com uma energia presencial. Estávamos presentes na casa das pessoas”, diz Marcelino, e com isso reflete sobre como a distância cria novas formas de presença - outras presentificações que, se têm certamente seus problemas, são sem dúvida extremamente dinâmicas e ricas.
Essas transformações não criam novas dinâmicas apenas entre os espectadores e os apresentadores desse novo show - também aprofundam e transformam a relação entre os próprios organizadores, autores homenageados e debatedores. “A homenageada deste ano é a escritora Geni Guimarães. A gente foi até a sala dela, quase tocamos nos livros dela. Muita gente está descobrindo o trabalho da Geni, invisibilizado pelo preconceito. Nesse sentido, a Balada pode ser assistida em outras cidades, estados, países. Geni vai ser publicada em Portugal e na Argentina. Esse movimento está dando nisso. Isso nos revigora. Isso nos enche de "sangue" no peito. É uma outra Balada, assim como somos outros, nesse instante, ao fazê-la. Usando ferramentas tecnológicas que desconhecíamos, mas que estamos mais do que nunca ‘dominando’.”. A lembrança de Geni faz atentar para esses outros múltiplos sentidos atrelados e elaborados no evento deste ano. A homenagem à autora, que tão abertamente faz da experiência do racismo, de forma a subvertê-lo, e a afirmar-se contra o preconceito, material para sua obra, traz consigo uma análise muito delicada e multifacetada, e um convite a novas intervenções. Esse registro particular, de documentação, que dá à balada deste ano um caráter único, de registro histórico, de conhecimento aberto e de democratização do conteúdo que é discutido, assim vem especialmente a calhar, e encontra uma simbiose com a amplificação de vozes, de pontos de vista colocados dentro do debate e inseridos dentro da ação cultural, dando as caras com arte e ocupando esse espaço de uma forma particular, que confronta desigualdades, violências e formas naturalizadas do preconceito dentro da reprodução da vida comum. Assim uma edição pouco usual de um evento, afinal, humano - mesmo que virtual - se mostra cheia de novos começos, de novas ideias e intervenções. E também cheia de vontade e apetite para caminhar junto desses pensamentos, e seguir aonde essas novidades venham a dar. Diz Marcelino: “Apesar de terem nos "confinado" em nossas casas, estamos abrindo as janelas, fazendo circular ideias e afetos. Você conhece Gabi da Pele Preta? E Maria Pérola? Você sabia que este ano é o centenário de Ruth Guimarães? Sabe quem é o cantor e compositor Juraci Tavares? Eliane Potiguara vem também. O ator Sidney Santiago Kuanza preparou uma série de debates sobre negritude.”
A gente nunca teve dinheiro para filmar a Balada, para fotografar tudo. Agora é tudo filmado, fotografado. E vai ficar lá o acervo para quem quiser pesquisar, assistir depois. Nós nos reinventamos para que a Balada permanecesse ativa, forte, apesar dos baques que todos nós, como nação, temos sofrido. Estamos celebrando a vida, embora a Balada esteja abalada, é claro, com tudo o que estamos vendo acontecer - no Brasil, no mundo. Nosso gesto é de um abraço solidário. Se a Balada Literária sempre foi vista como um evento "humano", agora estamos ainda mais "humanos".
Estamos quarentenados, mas não estamos parados. Esperamos por você, on-line, em nossas casas. Venha, digamos, "sem máscaras".
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